page de route 19
pour l'exposition Spirits
Galeria Ocupa, Porto
Tique, taque, tique, taque.
Pernas esticadas, barriga para o ar.
Encontram-me alongado numa toalha com cheiro a pêlo queimado, marcas de sal impressas na pele e umbigo transpirado. Não gosto de me barrar de protetor solar.
À minha volta, famílias, casais indiscretos e entidades solitárias. Brinquedos e bolas ricocheteiam entre terrenos alheios, gelados são devorados por gaivotas miradas por devaneios e olhares de quem desespera por um repouso mais ou menos merecido.
Esqueci-me do mar! Aquele que engole, que aparece sem nada dizer. Um manto de água espumada penetra este falso repouso; crianças a rolar, brinquedos absorvidos, lambeados, telemóveis a gritar, toalhas ensopadas e chaves perdidas.
Tique, taque, tique, taque
Lá dentro, no interior, movimento.
Barriga cheia de estranhos e indigestos objetos, pessoais e impessoais, facilmente substituíveis. Andam elas ali às voltas, onde prazer e culpabilidade se misturam, e só o tempo as poderá esquecer.
Tique, taque, tique, taque.
Dores de barriga, náusea.
Repleto até ao pescoço, objetos bóiam no suco que não os contém. Em vómitos, repetitivos e ritmados, são regurgitados pelo mar mineral. Deformados, corroídos, desmembrados. São imagens de outrora, de mais um verão consumido.