page de route 21
pour l'exposition Spirits
Atelier Campanice, Porto
Lavandaria Aire, no Bonfim, desde 1841.
Milhares de películas foram tratadas nesta casa. Epidermes flácidas, frágeis, mais ou menos reveladoras do seu conteúdo, no limiar entre o exterior e o interior. Quantas marcas de café, vinho, cerveja, molho de tomate e mostarda Savora foram extraídas? Taches propres, cicatrizes que transparecem desejos, gostos e desgostos. Quantos corpos cabem num tambor? Quantos passam numa máquina de secar? Quem não tem aquele par de calças que deixam de servir, que nos obriga a encolher?
O senhor Aire, conhecido pela sua dismetria, faleceu em 2008 e deixou um legado de máquinas de lavar e centrifugadoras automáticas em self-service. Sem o senhor Aire, peles misturam-se e cozem à mesma temperatura.
Entretanto, lá fui eu para mais uma lavagem. Entre 1000 e 1600 rotações por minuto, tecidos citadinos mascam-se num suco por onde outres passaram. Mas no fim de cada lavagem, falta sempre uma meia. Pares díspares. Absorvida, talvez tenha atravessado um buraco negro. Alguém a encontrará no outro lado do universo da meia paralela.
Desde então só visto meias no pé esquerdo. Para compensar a dismetria, caminho com o pé direito no passeio e o esquerdo na rua. Talvez o senhor Aire. Tudo, em todo lado, ao mesmo tempo. Como corpos e espaços mutáveis que habitaram, habitam e habitarão em simultâneo.