Tique, taque, tique, taque.

                      Pernas esticadas, barriga para o ar.

 

Encontram-me alongado numa toalha com cheiro a pêlo queimado, marcas de sal impressas na pele e umbigo transpirado. Não gosto de me barrar de protetor solar.

 

À minha volta, famílias, casais indiscretos e entidades solitárias. Brinquedos e bolas ricocheteiam entre terrenos alheios, gelados são devorados por gaivotas miradas por devaneios e olhares de quem desespera por um repouso mais ou menos merecido.

 

Esqueci-me do mar! Aquele que engole, que aparece sem nada dizer. Um manto de água espumada penetra este falso repouso; crianças a rolar, brinquedos absorvidos, lambeados, telemóveis a gritar, toalhas ensopadas e chaves perdidas.

 

                                                Tique, taque, tique, taque

                         Lá dentro, no interior, movimento.

 

Barriga cheia de estranhos e indigestos objetos, pessoais e impessoais, facilmente substituíveis. Andam elas ali às voltas, onde prazer e culpabilidade se misturam, e só o tempo as poderá esquecer.

 

                        Tique, taque, tique, taque.

                 Dores de barriga, náusea.

 

Repleto até ao pescoço, objetos bóiam no suco que não os contém. Em vómitos, repetitivos e ritmados, são regurgitados pelo mar mineral. Deformados, corroídos, desmembrados. São imagens de outrora, de mais um verão consumido.

 

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pour l'exposition Spirits

Galeria Ocupa, Porto